terça-feira, 7 de abril de 2009

Os Ratos

Li "OS RATOS" para um trabalho de literatura da faculdade e me encantei com a obra de Dyonélio Machado. Escrito em 20 noites, Os Ratos ­– vencedor do Prêmio Machado de Assis em 1935 – mostra o cotidiano de um trabalhador comum que se vê acuado pela impossibilidade de arrumar dinheiro para pagar o que deve ao leiteiro. Situação cotidiana em que o personagem se depara com a pressão social, as alterações emocionais da esposa e as suas próprias, diante da incógnita da ausência do recurso necessário para quitar sua dívida.
A narração de um dia vivido por Naziazeno Barbosa revela a força esmagadora do Capitalismo e sua influência nas decisões tomadas por aqueles que estão subjugados ao poder Capital. Pagar contas, quitar dívidas, aumentar o patrimônio, essas são algumas das preocupações de um indivíduo que sobrevive sob o jugo de um Sistema que apregoa por todos os cantos que para SER é preciso TER. Na narração o leiteiro torna-se apenas mais um dos objetos corriqueiros que nos faz perder noites de sono e embranquecer os cabelos. As alterações de humor, a simpatia ou empatia por objetos e pessoas cotidianas, os passos, os valores que se invertem, os sonhos que são substituídos pelo brilho de algumas moedas ou pelo cheiro de tostões, são as manifestações de uma “encarnação” monetária onde se compra a vida e se paga um valor muito caro. Valor que nem todos alcançam a graça de possuir e, então, trocam suas vidas pelas migalhas da vida dos outros. O evangelho de São Mateus conta a história de uma mulher de Caná, região da Galiléia, que pede o favor de Cristo e este lhe interpela: “Não é bom tirar o pão dos filhos e dá-los aos cachorrinhos.” Aqui, definitivamente, não existe um contexto mercantilista originando esse diálogo, mas me utilizo desse evento para tentar expor a fragilidade das nossas posturas diante daqueles que possuem. A pobre mulher cananéia contentou-se em igualar-se a cães para obter o favor de seu senhor. É assim que vivemos. Estamos satisfeitos em receber as migalhas dos nossos líderes que esfregam na nossa cara, o tempo todo, que somos como cachorrinhos famintos.
Os que têm, os que possuem, os que retêm o Valor Capital, nos intimidam e o ideal Capitalista nos faz entender assim. Os valores, então, se invertem. Naziazeno temia que falassem dele: “Nunca paga nada!” Com essa definição ele não seria aquilo que deveria ser. Mas, não é o ter que nos define e sim o ser! Naziazeno, nos representando, podia até já ter ouvido isso, mas sabia que a realidade era bem diferente. Esses conceitos de SER e TER nem vinham-lhe à mente, quando nela só havia espaço para o leiteiro, os vizinhos, a doença do filho, a humilhação diante dos colegas de trabalho, alguns contos de réis e os ratos a roubar-lhe os sonhos de um sono tranqüilo.
As ideias mirabolantes começam, então, a surgir. Empréstimo com o chefe. Mais uma vez? Mais uma humilhação? Mais uma sensação amargosa na boca? Sensação de impotência e inutilidade. Medo da negativa, da própria reprovação. Tenta se agarrar em alguma esperança. O Duque, talvez, uma alma boa, generosa, melhor do que a dele. O duque não aparece de primeira e Alcides, o amigo, lhe arranca pedaços de esperança em relação ao diretor, mas alimenta a probabilidade remota do jogo. Jogar pra poder ter ou pra perder. Mas, não deixa de ser uma tentativa. Não custa tentar!
É assim que estamos, é assim que vivemos! Comprando migalhas de vida. Um pedaço aqui, outro acolá. E no final de tudo em que esses pedaços vão dar? Sei lá! O final não importa. O que importa é o leite do filho, o sapato da esposa, a aprovação dos vizinhos e o sono... o sono tranqüilo, sem motivos para serem roídos por ratos.