quarta-feira, 15 de julho de 2009

Quero Ser Criança de Novo...

"As janelas da casa estavam todas arreganhadas e as flores novas perfumavam o ambiente. As cozinheiras tiravam travessas do forno, preparavam as massas, lavavam folhas e enchiam as fruteiras. As crianças corriam no quintal e a faxineira dava os últimos retoques colocando tapetes limpos na frente das portas. Era a residência do Reverendo Mateus Urbano, pastor presbiteriano que fazia parte do Conselho de Mestres daquela cidade e, naquela manhã as dez maiores cabeças em teologia da região receberiam Joseph Yeshua, um historiador africano, que estava se tornando conhecido mundialmente por suas inovações doutrinárias e teológicas. Eles precisavam ouvir aquele homem que intrigava aos líderes religiosos, confundia as teorias e protocolos eclesiásticos e atraía diversificadas multidões.
Estava tudo pronto! Tudo arrumado e logo, todos estariam ali. As crianças foram orientadas a se comportarem, pois pessoas importantes estariam presentes. Mas, ao se juntarem, elas não se continham e se lembravam apenas que deveriam aproveitar cada segundo juntas, para gastarem todas as brincadeiras possíveis. Os convidados começaram a chegar e os brinquedos barulhentos ecoavam. Os mestres foram se juntando, um a um, e começaram a conversar. 


As crianças, então, esfuziantes, parecem não se conter com bolas, jogos, corridas e começam a gritar e a sorrir cada vez mais alto. Alguém lhes pede para parar ou pra fazerem menos barulho. Eles cochicham um pouco e decidem brincar de outra brincadeira, talvez mais silenciosa. Em alguns minutos, porém, já estão gritando sem perceberem que voltaram a incomodar. Agora, sentados em roda, são acudidos por alguém que decide direcionar suas brincadeiras. Pede que todos fiquem em silêncio e isso para eles é tão difícil. Mas eles tentam. Sinceramente tentam! Ora ou outra escapa um risinho aqui e ali. Eles tentam conte-lo, mas os risinhos parecem ser contagiosos e logo, todos estão sorrindo e nenhum deles sabe do que exatamente. 

Os mestres continuam discutindo sobre religiosidade e pronunciam alguns nomes difíceis como predestinação, Calvinismo, maldição hereditária e alguns deles olham com reprovação para as crianças, outros, tão envolvidos com a discussão, nem as percebem lá e assim a tarde segue, com brincadeiras barulhentas e argumentações e fundamentações intermináveis. Lá pelo meio da tarde chega mais um adulto, com cara de intelectual, não tão bonito, mas com um simpático sorriso e olhos bem vivos. Cumprimenta a todos e, ao observar os dois grupos, dirige-se ao grupo das crianças, o que causa certa inquietação nos mestres que ainda discutem, mas agora, tentam disfarçar o incômodo que sentem com a presença de Joseph Yeshua. Era ele, o conceituado teólogo, conhecedor profundo das letras da Lei. Todos os presentes, um tanto decepcionados, esperavam alguém diferente, alguém mais imponente, mais elegante. Os mestres, ainda inquietos, continuam a conversa – não com a mesma empolgação de antes – e observam discretamente o comportamento de Joseph que parece não vê-los por estar tão entretido com aquelas crianças barulhentas. Ele, já sem paletó, com as mangas arregaçadas e com a gravata frouxa, sorri alto, conta piadas, dá tapinhas nos garotos, bate nas mãos das garotas acompanhando o ritmo de uma canção infantil e com os pés descalços, responde a proposta dos garotos que o convidam para uma corrida.

Agora já basta! 

Um dos mestres não resiste e, subitamente, vai ao encontro daquelas crianças e tenta impedí-las de incomodar Joseph, que, imediatamente se interpõe e não permite que lhe afastem as crianças: Deixa-as, eu já irei ter com vocês! Então ele se recompõem, me dá uma olhadinha faceira e me diz baixinho: Prefira ser como elas, Dani! Elas se divertem mais!"

Não quero estar na roda dos sábios, mas quero estar livre para brincar, gritar, correr, sem me importar! Não quero estar entre as cabeças mais inteligentes e cheias de opinião. Quero poder ter a liberdade de pensar diferente e ser diferente, sem me preocupar se as minhas roupas vão se sujar ou se o meu barulho vai incomodar!