sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ela anda pra trás de boa
igual anda pra frente
e quando anda pra trás
desconstrói a minha lógica
e me desarmoniza
me desumaniza
e me carangueja
e tomo esse espírito
de não ter olhos para trás
e, ainda assim, dançar e
andar pra todos os lados
com a mesma destreza

volto
ando depressa
igual esse caranguejo amarelo
que chega bem perto
só pra me olhar e me contar
isso de
andar depressa pra trás
mesmo olhando pra frente
e agora
de volta a estar só
nesse meu gigantesco mundo

tenho medo

estar só nele
sempre foi pavoroso
cheio de quartos escuros
e velhos e empoeirados
até que em dias comuns
pessoas comuns
de encantamentos
foram chegando
e limpando
e pintando parede
tirando mancha velha
e o quarto agora me
recebe pra tocar violão
e cantar e habitar também
afinal, fui descobrindo
tantos lugares novos em mim

o de chorar, o de sorrir,
o de cantar, até o de me amar
e amar e sonhar com ela linda
e nua e gozar
o de imaginar
o sol sendo rei pra todos
o de escrever poemas
de aniversário
e o de guardar
poemas inadequados
o de sofrer ausências
e nesse lugar me refugiar
e descobrir que a única
ausência que não posso ter
é a minha
eu sendo em mim

e os quartos vão se limpando
defumando
velhas tralhas
magoas
fazendo correr
água de limpar
e deixar brilhando
essa casa
que, enquanto não
estiver em si,
não servirá
de abrigo, nem
de lugar pra sonhar.

guenta só mais um pouquim
que os quartos estão sendo limpos!

e aqui dentro
ainda tem muito
lugar pra sonhar
tô juntando cacos
e ao mesmo tempo
poetizando mágoa
que com mais cor,
faz mais cor ainda
e eu começo a acreditar
e, crendo,
vejo sol brilhando no ipê
e chuva fazendo a gente
se encolher e se apertar
na casinha, e agora,
já não mais caranguejos,
somos humanos
e cantamos e tocamos
e rimos e amamos

assim,
eu e a casa
a casa e eu
em qualquer quarto
ou quarta
somos e vivemos
e existimos

e,
mesmo sem
entender nada
significamos
nossa existência