domingo, 28 de abril de 2019

cada musica no seu tempo
infinitos tempos
espalhadas no espaço tempo 
antigo primitivo primeiro 
1
retorno
indo de volta 
1,2,3,4
passos
pra um lugar onde me encontro
e começa de novo o compasso

um mar
uma mulher 
uma voz
um lamento
um blues
um simples
uma lua
brilhando como se nada tivesse acontecendo
uma mulher presa num navio 
cantava
cantava pro mar
e era sobre graça 

graça que não a alcançou 
porque é difícil perdoar de graça 

sempre tem um preço 
suor açoites 
me negando todos os dias
eu sou 

antes da canção 
um jeito ruim de desesperançar a vida
um jeito esquisito de odiar 
quem mais tá perto 

se culpa, se anula, se cala
e é a minha culpa q fortalece o meu racismo

os dois vêm do mesmo modo
do mesmo lugar
culpa foi a palavra chave das cruzadas
culpa foi o argumento pra escravidão 
culpa foi a causa da cruz 
só pra q não houvesse mais culpa 
alguém morreu
alguém morre todo dia
e a gente nunca perdoa
e ninguém nunca será bom o suficiente 
porque se for, q pena:
entronizado da torre!

a música não culpa
o blues não culpa
não cabe culpa na música 
porque som não é erro
é experiência 
e jeito de viver com o ouvido
ouvindo, escutando
jeito de existir
pra entender não a letra, mas o som!
a letra mata, mas o som vivifica
a letra faz a gente ser politicamente correta
faz a gente ter q dar conta de ser justa

q justiça? 

essa do moro q fede à moral?
essa q confunde amor desajeitado de sapatao com falta de perdão?
essa q mantém trabalhadores na prisão 
e assassinos com caneta na mão?

eu não quero essa justiça!
eu não quero esse medo de não ser incluída 
eu não quero esperar nada de nenhuma das minhas irmãs 

e quando eu menos espero...

numa daquelas noites onde as poucas 
horas de sono eram o único momento 
de sossego
nem cachaça nem pílula nem qualquer coisa misturada 
as nuvens era um bom lugar pra minha mente
e o afeto dela, não tinha a ver com apoio tinha a ver com perdão 
fez merda né dani? vem aqui 
deixa eu te abraçar 
e eu me senti calma pra dormir 
era só um abraço 
sem conselhos, sem opinião
sem concordar, sem discordar 
e eu parei de ter medo das mina
parei de fingir não saber que era a branca racista
parei de botar a culpa toda no meu irmão

e comecei a tocar blues
tocar azul
o lamento da mulher do mar
ecoando em cada buraco de mim...
voltei à capo 
retornelo 
minha segunda chance
de caprichar nas frases da segunda estrofe 
porque é só ir lá pro inicio da pauta
e começar de novo
1,2,3,4

é o tempo q não para
você pode parar!
eu posso parar
numa pausa semibreve
deitar com as costas retas 
na terceira linha uns quatro compassos 
de preferência um seis por oito
bem azul, bem blues!

parei
e acreditei no jeito
q esse tanto gente me olhava:
cabulosa! não! não era! eu sabia q não era! 
superestimada, eu pensava 
e me achava uma farsa
q gente generosa!
só q uma hora eu autorizei a fé
não mais naquele deus grandão distante com o dedão julgador
mas naquele
naquela que habitava aqui em mim
acreditei q podia sim

acreditei, me libertei
só eu mesma podia fazer isso,
ninguém mais!

medo eu tenho agora 
é quando o carro da polícia se aproxima
ou quando sou ameaçada por beijar na rua minha minina  
medo eu tive quando tacaram pedras no sarau
e quando mataram a marielle
e eram eles! são eles que matam
eu tenho medo de caras com “moral” no nome
dos que celebram o exercito dos 80 e outros tantos tiros
eu tenho medo dos q me julgam por vista
medo dos q substituem fome e sede de justiça por mimimi
tenho medo de q as casas de cultura virem igreja
                                                  [que nem os cinema nos anos noventa]
medo de q a gnt não se perdoe
e medo deles continuarem com suas políticas de manada 
medo da voz presa
da mordaça
medo de q anastácia 
não possa ser lembrada

medo de não poder contar minha história 
medo de que a aparência me defina
medo de paz sem voz, 
que não é paz, é medo

quanto maior o medo, 
maior a coragem

estive comigo 
estive com medo
e em algum lugar 
um peito estufado rancou a couraça 
e nu, sentiu frio
sentiu solidão 
não há mais casa couraça pra me proteger
e o peso da glória da luz q está atrás do sol
foi a deus, adeus!

porque a glória da segunda 
será maior q a primeira 
e a segunda casa sou eu!