cada musica no seu tempo
infinitos tempos
espalhadas no espaço tempo
antigo primitivo primeiro
1
retorno
indo de volta
1,2,3,4
passos
pra um lugar onde me encontro
e começa de novo o compasso
um mar
uma mulher
uma voz
um lamento
um blues
um simples
uma lua
brilhando como se nada tivesse acontecendo
uma mulher presa num navio
cantava
cantava pro mar
e era sobre graça
graça que não a alcançou
porque é difícil perdoar de graça
sempre tem um preço
suor açoites
me negando todos os dias
eu sou
antes da canção
um jeito ruim de desesperançar a vida
um jeito esquisito de odiar
quem mais tá perto
se culpa, se anula, se cala
e é a minha culpa q fortalece o meu racismo
os dois vêm do mesmo modo
do mesmo lugar
culpa foi a palavra chave das cruzadas
culpa foi o argumento pra escravidão
culpa foi a causa da cruz
só pra q não houvesse mais culpa
alguém morreu
alguém morre todo dia
e a gente nunca perdoa
e ninguém nunca será bom o suficiente
porque se for, q pena:
entronizado da torre!
a música não culpa
o blues não culpa
não cabe culpa na música
porque som não é erro
é experiência
e jeito de viver com o ouvido
ouvindo, escutando
jeito de existir
pra entender não a letra, mas o som!
a letra mata, mas o som vivifica
a letra faz a gente ser politicamente correta
faz a gente ter q dar conta de ser justa
q justiça?
essa do moro q fede à moral?
essa q confunde amor desajeitado de sapatao com falta de perdão?
essa q mantém trabalhadores na prisão
e assassinos com caneta na mão?
eu não quero essa justiça!
eu não quero esse medo de não ser incluída
eu não quero esperar nada de nenhuma das minhas irmãs
e quando eu menos espero...
numa daquelas noites onde as poucas
horas de sono eram o único momento
de sossego
nem cachaça nem pílula nem qualquer coisa misturada
as nuvens era um bom lugar pra minha mente
e o afeto dela, não tinha a ver com apoio tinha a ver com perdão
fez merda né dani? vem aqui
deixa eu te abraçar
e eu me senti calma pra dormir
era só um abraço
sem conselhos, sem opinião
sem concordar, sem discordar
e eu parei de ter medo das mina
parei de fingir não saber que era a branca racista
parei de botar a culpa toda no meu irmão
e comecei a tocar blues
tocar azul
o lamento da mulher do mar
ecoando em cada buraco de mim...
voltei à capo
retornelo
minha segunda chance
de caprichar nas frases da segunda estrofe
porque é só ir lá pro inicio da pauta
e começar de novo
1,2,3,4
é o tempo q não para
você pode parar!
eu posso parar
numa pausa semibreve
deitar com as costas retas
na terceira linha uns quatro compassos
de preferência um seis por oito
bem azul, bem blues!
parei
e acreditei no jeito
q esse tanto gente me olhava:
cabulosa! não! não era! eu sabia q não era!
superestimada, eu pensava
e me achava uma farsa
q gente generosa!
só q uma hora eu autorizei a fé
não mais naquele deus grandão distante com o dedão julgador
mas naquele
naquela que habitava aqui em mim
naquela que habitava aqui em mim
acreditei q podia sim
acreditei, me libertei
só eu mesma podia fazer isso,
ninguém mais!
medo eu tenho agora
é quando o carro da polícia se aproxima
ou quando sou ameaçada por beijar na rua minha minina
medo eu tive quando tacaram pedras no sarau
e quando mataram a marielle
e eram eles! são eles que matam
eu tenho medo de caras com “moral” no nome
dos que celebram o exercito dos 80 e outros tantos tiros
eu tenho medo dos q me julgam por vista
medo dos q substituem fome e sede de justiça por mimimi
tenho medo de q as casas de cultura virem igreja
[que nem os cinema nos anos noventa]
medo de q a gnt não se perdoe
e medo deles continuarem com suas políticas de manada
medo da voz presa
da mordaça
medo de q anastácia
não possa ser lembrada
medo de não poder contar minha história
medo de que a aparência me defina
medo de paz sem voz,
que não é paz, é medo
quanto maior o medo,
maior a coragem
estive comigo
estive com medo
e em algum lugar
um peito estufado rancou a couraça
e nu, sentiu frio
sentiu solidão
não há mais casa couraça pra me proteger
e o peso da glória da luz q está atrás do sol
foi a deus, adeus!
porque a glória da segunda
será maior q a primeira
e a segunda casa sou eu!