terça-feira, 6 de abril de 2021

abril de 2020

um esgoto de mim

é assim que me sinto às vezes
ora quando bebo, ora quando falo demais
aí eu acordo às 4, sem sono, sem sonho
tentando puxar da mente a lembrança
de como eu cheguei aqui.
com a mesma roupa, 
o cheiro de terra nos pés
a culpa 
travei na culpa
palavra estúpida que inventaram 
pra eu me calar

li ontem o livro da taten 
"leve sua culpa branca pra terapia"
e senti culpa, claro...
isso de agora, futuro, verdade
palavras... 

minha culpa revelada é só pra fingir a
verdade de agora! e isso me pareceu investimento, expectativa, sei la
culpa me engasga, me entala
me revira as tripa
eu tenho os comixão tudo
mas essa q eu mais odeio em mim 
está mesmo doida pra ser livre e poder delirar

eu já acreditei mesmo q por ser filha do mal
deveria anular tudo com o bem
as pernas fechadas e o desassossego
dos joelhos, da mandíbula
os dentes de trás
ser boazinha seria fácil pra mim
aos 7 anos descobri 
que era melhor sorrir na festinha de aniversário
porque até os 6, eu chorava
e tinha a cara brava
foi com 6 q veio o órgão, e o
meu primeiro bebê, 
meu primeiro brinquedo de mulher.

longe de mim foi ficando o cerne
o urso polar, a leoparda de pelo preto
eu tinha um sorriso bonito
e sorrindo daquele jeito
vestida nas roupas certas
eu tinha sobre mim aqueles olhares
que eu tanto desejava dela, dele

o esgoto que eu vomito hoje
existe sim num lugar específico de mim
se as cidades nao tivessem asfaltado os rios
sucupira eu
nem precisaria de esgoto
escremento é adubo
e a terra colhe de novo aquilo q planta
e nessa dos alimentos sólidos demais,
plásticos e inseticidas,
como devolver tanto lixo ao petróleo
e soca-lo de novo debaixo da terra?

acho que isso resolveria tanta coisa
acho que até falta de ar
até o ar que me falta 
quando me sinto culpada

se eu furasse um buraco no concreto
e separasse o cimento das pedras, da areia e da água
talvez até aplacaria um pouco da minha raiva
mas não! 
é na expressão! 
ta no cerne da questão
nem esperança nem medo

confesso! um não é difícil mesmo quando tudo o que meu corpo mais quer é a perdição do seu! é errado, eu sei! e isso me dá culpa também! mesmo sabendo decorado que alguém sempre leva sobre si culpa dos outros.

eu já deveria saber que nenhum dedo apontado poderia me causar isso se eu tivesse um pouquito mais de fé em mim

não naquela amedrontada que acha virtude
no cabelo liso e na pele branca
pra pagar de boazinha
baixinha, delicadinha, tão feminina
"dá até vontade de cuidar" 

mas naquela que prefere o silêncio
ao discurso vazio de uma não prática
habitual nas de cabelo liso e pele branca
o meu corpo não silencia minha liberdade
mas às vezes meu argumento enjaula meu jeito doído de ser.

o jogo sujo do mundo
quer que eu viva de expectativas
mas meus ossos e poesia
desejam comer boa parte de quase tudo
...sem o privilégio da pele, do pai, do patrão
do pendão, do perdão
ser perdoada é fácil com esse tanto de mérito
difícil é perdoar-si
essa é uma nota sensível

acho q jesus saía perdoando todo mundo
pq ele entendia que não precisava morrer
pra nascer de novo. 
todo mundo pode se perdoar sem estado e sem igreja pra fazer isso, assim tb como pode se amar (a si - a nota sensível)

às vezes o que a culpa quer, na real,
é a cara na moeda. 
dai a cezar o que é de cezar. 
e por 30 moedas se levanta mei mundo
de traidor
e pra essa culpa, pobre judas, 
teve apenas a madeira da figueira
pra sustentar.

eu não vou mais me pendurar em nenhum madeiro
eu não vou mais me culpar pra receber o merito da branca de neve que nunca se olha no espelho.
eu não vou mais viver a expectativa 
de ser boazinha um dia 
porque eu acho que no fundo mesmo eu não nasci pra isso!

abril de 2020