domingo, 23 de junho de 2019



quem eu sou?
tupiniquim?
odor adocicado 
há vários séculos guardada

um andar trôpego 
apoiado na sabedoria de uma vara
um cedro um bisturi uma caneta um bastão 
um cutelo uma enxada um cajado
seis paus
seis de paus
uma fogueira quase pronta
estilhaço pedaço de lança 
lançada no alvo
carne ferida
fera implica um lugar de destaque
mas pra quê? 
se isso atrai tanto ódio e desamor?
eu tenho um bicho que habita em mim
e eu o carrego enjaulado 
e morro de medo que um dia 
ele
se liberte
uma diaba que me toma 
enquanto eu fumo grama 
ou quando entro na igreja que eu tocava 

uma voz que eu esguelo pra dentro 
todos os dias
e parece tão simples fingir que eu não 
carrego em prisões outras partes de mim
o céu lindo céu 
e as mansões celestiais 
não mais me atraem

mas não adianta!
eu morro de medo dessa fera se soltar
gasto muito do meu tempo e energia
pensando em formas de enclausura la.
as correntes vão ficando mais grossas 
as cadeias mais tecnológicas 
e eu acabo me esquecendo de quem eu sou
a fera tá ferida dentro de mim
inimigos declarados 
e ela range os dentes
até mesmo enquanto dorme 
sem nem perceber 
afia as garras
e eu tento
eu juro que eu tento conte la 
mas não 
ela já não me obedece como antes
já tomou a parte do ego 
que se preocupava tanto 
com o que iam dizer

a fera pondera espera 
reverbera 
o som da sua existência, mas
seu maior amor de sempre:
a palavra 
lhe é renegada 
e essa garota montada pra ser
apenas a cópia de outras milhões
e um copo pra um macho escroto 
ejacular suas dores
decidiu ouvir esse bicho fera 
e conversar com ela

essa conversa 
[...]
essa conversa me desmonta
me desnuda me causa desconforto 
me desestrutura e eu desabo 
arranco a armadura 
peça a peça 
e não pense que é rápido
uma couraça lapidada há anos
forjada pelo apóstolo paulo 
a couraça da justiça, não a minha

comecei pelos sapatos 
depois abandonei o escudo
depois tirei o capacete
e a espada eu deixei ali ainda perto da mão
pra se um dia chegasse o tempo 
de usa la 

uma capa um cajado uma sandália 
e isso bastava pra minha fera
taurina com fogo nas narinas
ventania no peito búfala