sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

eu tenho o vento
desde o primeiro dia que eu respirei
eu tenho a luz 
sempre que abro os olhos
eu tenho sossego 
com um filme e uma rede

calma, só às vezes
quando o silêncio grita por esperar

eu tenho desejos
eu sinto fome
eu mastigo as minhas carnes
e corrôo com o ácido da saliva
a gengiva terra da semente

uma mente brilhante!
encerada
lapidada pra luz

- semente não mente, não disfarça, não finge!
disse o semeador que saiu a semear

e eu aqui
no solo que me coube
e sei: 
enraizar no profundo
vai rasgando tudo
e minha unhada tá cada vez mais forte
minhas garras
me agarrando ao que está no alcance das mãos

eu me mordo
como se agora fosse eu que quisesse experimentar meu veneno

ouço soar um sino
campainha... 

      [eu sonhei com um cavalo gigante
      que flutuava por entre as cores de um arco iris]

eu não quero companhia agora
e volto ao meu delírio

sangrando em lua cheia
eu viva, 
santuário de
eva, lilith, 
helenas e marias madalenas
sofia e nossa senhora aparecida

todas do mar
de amar

os que escreveram nomes de homens 
e que traduziram tudo com nomes de homens
esqueceram de lembrar que não é só na escrita
o poder da vida
mas, antes na vagina

e a gente em todos os tempos sempre resistiu!
o sonho de não ser só a secretária
foi me corrompendo

corrompo tudo o que há aqui e aí 
só pra provar que eu posso ser melhor.

é mentira!

eu já tentei de tantos jeitos
já fui casada com homem hétero
ja fui recatada e do lar
já fui crente
crente que meu caminho era submissão!
e a liberdade vinha e batia na porta alguma vezes

no meu ap improvisado
eu li as escrituras sagradas
"eis que to a porta e bato"
e não é à toa que isso tá escrito em ap 4:20

mas pra entender as escrituras tive antes que transgredi-las.
tá mesmo escrito que a maior virtude é o amor
e 'eu sou' também tá lá desse jeito
e quem é que vai negar?
quem me condenará?
quem vai substituir a graça ou criar subsídio pro sangue?

a intensidade que me ascende
é tão forte que cria e destrói
cria e destrói, cria e destrói!
o medo da rejeição
o escuro do perdão
o escarro das costas
o lado fétido das coisas
e por que não?
qual é o sentido da atração?
o mal? o bem?
acho que tá tudo é no mesmo lugar
e querer só a luz, meu bem
te cega pra perceber que é na sombra
no escuro da noite
no momento desperto da madrugada
onde eu mais abro os olhos e vejo
vejo as estrelas
me vejo!

e ainda assim
eu só vejo o que consigo
e tudo bem!

assim vou de boas
a sorrir e a sofrer
que é o meu jeito de entender 
que todo o meu bem
que todo o meu mal
não é só você, nem você, nem você...

sou eu também!