segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Homenagem às Jabuticabas

Dessa vez, todo mundo que chegava à chácara, cumprimentava os que já estavam lá, por pura cordialidade, e logo perguntava: Ainda tem jabuticaba? E era lá para os pés de jabuticaba que todos se dirigiam, enquanto não chovia, pois em meados do mês de novembro é só o que o céu sabe fazer: chover! 

Alguns levavam vasilhas, outros sacolas, outros só iam mesmo com as mãos abanando e os mais espertos levavam escadas e tamboretes para poder alcançar as que estavam mais no alto. Passei o portão do galinheiro, com as mãos gulosas, pois não queria perder tempo procurando uma vasilha, e com os olhos bem abertos fui procurando de longe um pé que estivesse repleto. Todos os pés estavam repletos e minha tara pelas doces bolinhas pretas foi logo suprida. Tinha cada bitelona que enchia a mão. Todas bem grudadinhas no galho e, algumas estavam tão juntinhas umas das outras que era preciso apanhá-las todas de uma só vez. Em menos de 30 minutos eu já estava satisfeita daquele doce prazer de colher a fruta do pé e ali mesmo usufruir do seu sabor, sujando o tênis, enchendo o cabelo de gravetos e folhinhas daquela árvore tão, aparentemente, frágil, mas acolhedora, que permitia, ainda que cambaleante, que subíssemos em alguns de seus galhos mais fortes para poder alcançar o fruto mais invocado – aquele que dá lá no alto para ser mais valorizado, mais disputado. A disputa maior era com os passarinhos que bicavam o fruto e deixavam-no com aparência de intacto para quando a gente, no maior esforço, ia pegá-lo, percebia que ele já havia sido ferido pelo bico de algum passarinho esperto.

A imagem que se vê debaixo do pé é deslumbrante, principalmente quando os raios do sol invadem as frestas entre os galhos abrilhantando o breu do fruto. Imaginem quantas jabuticabas essa pequena árvore já nos forneceu, pois se os galhos estão ainda repletos depois de tantas mãos gulosas como as minhas terem lhe roubado o fruto, o chão está coberto de jabuticabas, amassadas, mordidas, apodrecidas e algumas ainda verdinhas, que nem tiveram a chance de adoçar a boca ou o bico de ninguém. Subo na escada, subo em um galho forte, subo em alguma lata vazia, enfio a cabeça por entre os galhos protetores, fico na ponta dos pés e estico o braço, para poder sentir o doce gosmento que brota, suavemente, de dentro da casca preta, com o mero esforço de uma mordida. Arranjo logo uma vasilha pra poder encher desse fruto e levar para alguém que saboreie jabuticabas tanto quanto eu. Mas, aviso logo, que o prazer não será o mesmo! Nem que eu me vá toda arranhada, toda picada pelos borrachudos e muriçocas, com os pés todos enlameados e com os cabelos sujos pela foligem das árvores, ainda assim, insisto em dizer que tudo isso faz parte do processo do prazer!

Então, até o próximo ano! Que os pés de jabuticaba descansem e floreiem tranqüilos para que, por várias eras, seu fruto seja apreciado por esses meros mortais que exercitam a paciência, a longanimidade, a virtude da pureza em olhá-los e entender que se deve fazer o que tiver que ser feito com a simplicidade, a paciência e a excelência de uma jabuticabeira!