quinta-feira, 4 de outubro de 2018

o complexo vem e me toma por completo
e eu, acreditando que sou mesmo um incômodo
me incomodo  
me incomoda saber que tem mais gente, 
todo mundo 
um mundo inteiro aqui dentro
e eu achando que sou apenas essa:
essa que todo mundo vê!
menos eu

o complexo me deu nome 
me guiou, foi meu condutor
e esse ego arrogante 
se calou sem saber como agir
o complexo aferruou-me 
bem no meio do pescoço
complexo eu, complexo ele
incompletos, eu diria
apenas um pedaço
um caco, um cacho
um pecado
um único jeito de ver
cacos de azulejo
continentes quebrados
espalhados pelo oceano

galáxias, asteróide, cometas
anjos e nós também
somos todos pedaços de muitos 
e todos os deuses e átomos
daqui 
e de lá

não sou o complexo
[mas sou complexa]
sou eu inteira
o complexo é um pedaço de mim
um inimigo, talvez
que me veste e 
naquele único jeito de ver
único jeito de existir
me deixo levar

o complexo me toma
há muito
muito tempo já passado
ainda presente 
embrulhado num papel pardo
nem preto nem branco
não como as teclas do piano
nem só 
nem sol sustenido

[uma dica de beleza sonora:
deixa a mão direita solta, livre
e se liga nas quartas]

quarta feira era sagrada 
a gira rodando lá em casa
e o complexo foi sendo visto
impresso, expresso, invadindo, invadido
e era gente demais 
lá fora aqui dentro
lá dentro aqui fora

o complexo me sangrou
me machucou, me arranhou
me fez gostar nada de mim
me escondeu de mim
me fez esquecer quem eu sou
me roubou pedaços de existência
esgotou-me a paciência
e eu fui caçar
fui em busca do que ia me alimentar 
cacei alimento pra essa 
mulher selvagem que se apresentava 
e que ia à caça!
eu não sabia onde,
eu não sabia o quê,
mas a fome que eu tenho
tem veneno
e não, 
eu não quero mais me sentir insuficiente
não, 
eu não quero mais sofrer a consequência
de deslizar na hora de lavar a escada

quero sol 
e chuva pra molhar a terra
quero poder matar a sede a qualquer hora
quero um sonho lembrado de manhã
quero a sabedoria da minha tia isabel

quero o encontro da minha carne 
com o meu espírito
que é ...:
quando eu toco ela e ela me toca
e nossos corpos se tocam 
e gemo, tremo, e entro
temo não conseguir, não poder, não saber

o complexo
[um outro de mesmo núcleo]
me invade 
a soberba do saber por saber...
oras, q bobagem 
se quando eu me descubro 
é indo no desconhecido 
pra rever e tecer
uma história antiga 
deu e dela

ninguém nunca deu conta de verdade!

nem jesus, 
que pobre coitado, morreu na cruz
e dizem que ele não comia, não dava, não gozava em dia santo!
que mentira! 
se pra ele santo era o presente da vida!

contei
esse canto de esperança 
pra um corpo que descansava na rede
numa entardecida terça
de céu com lua vazia
só pra explicar que a gente vai dando conta
é achando mesmo que não dá!

minhas pernas cansadas
vibram a cada passada 
um passado
agora
elas merecem descanso
não precisa pisar sempre do mesmo jeito, eu digo
outra de mim responde:
vou tentar mudar o jeito de caminhar

e a gente vai se entendendo
sendo bem mais que uma 

o complexo é o coiso, o causo
e cumpre o seu pedaço 
nesse meu eu integrado
inteira, eu
as personas se permitem
sem as persianas fechadas

das pestanas ao fundo do céu
água de sal caem em gotículas
terra, seca, dura, chupa
o pouco de água q os pingos de lágrima podem dar

o complexo 
me finda, me vence, me termina, me fode
me morre e morre junto, até q outra, 
eu outra 
apareça e vença os meus inimigos
a depender de pontos de vista
o complexo é o inimigo
inimigo q inibe tudo de bonito na gente
inimigo que em iniqüidade 
esconde a verdade do meu próprio ser

eu quero me ser completa
nascendo, crescendo e morrendo todo dia!
eu quero ser toda de mim mesma
sem mais nenhum pedaço espalhado 
desencontrado, perdido
descompletando a minha 
sempre incompletude 

perfeita já sei que não dá
o complexo não quer nem me deixar lembrar
só que a carne não precisa lembrar
pra começar a tremer toda
quando sinto o calor que precede seu toque
as faíscas dos seus dedos 
no meu músculo duro 
me derramando 
e é assim que eu tenho vencido meus inimigos
profanando 
o seu 
o meu 
mais profundo sagrado
me dando vida atravéz de ti

e o complexo agora
deve estar em algum lugar
invejando meu dom de passar.