terça-feira, 10 de março de 2020

moro me
descubro me
desde 1981
habito nessa embarcação
que ora navega, ora submerge
no encontro do rio com o mar
furo no meio, vento,
o vazio afundando pra dentro
furacão


não é mais vento fazendo carinho
é escorpião soltando veneno
ferro forjado alquimizado
máscara armadura arma
pra quê a fórmula de báscara?
se na minha música o tempo é deus
e conto, conta,
número, também é canto
um dois três quatro
um dois três
um dois
um ê


e canta
não sei se me encaixo na fórmula
o que sei, cei
ceilândia norte
quadra vinte e três
tudo contado e numerado
praça que era lixo,
lixo: palco pra arte
corpo de mulher branca,
nu
apanhado, arrancado as peles
peruca
cabocla mariana, ela respondeu
pequena porte padrão
toda a beleza que vc queria ver
estava ali nela
vestida de uma epifania tão absurda
sendo enterrada
tendo suas partes misturadas na terra
espalhada naquele território
diferente do dela


eu, corpo de mulher branca,
naquele mesmo território
vi lixão virando jardim
vi o trator do estado
passando por cima do jardim
pra criar quadra de futebol
com arquibancada e tudo
e a gente fica só olhando
que é pra gente não mais se juntar
a gente junta é muito perigosa!


eu com meu medo
você com o seu
eu com a imagem cruel do
patriarcado que sempre me exigiu
perfeição
quando ele, sem falar comigo,
era o padrão que eu devia seguir?
só me ama se eu for perfeita a seus olhos?
não quero ser perfeita
não quero tentar acertar
quero ter a chance de tropeçar
e ralar o joelho caindo da bicicleta
quero poder ate mentir, só não mais pra mim
não quero mais ser a garota legalzinha
que acerta e sabe o que faz
eu não sei, eu só tento!
tento seguir o que sempre me guiou
a vontade de encontra la cantando


e nessa busca pela pinta que brilha dourada
encontrei várias belas estrelas
e a magia que me foi levada
tava nos meus dedos
e eu podia errar inclusive os dedos
e tudo que vinha deles era mágica
tudo que vem deles é mágica
ela, gipsy, me deu uma bola de fogo
contida numa caixa
como legado
e meus dedos sabiam o que
tinham que fazer, tocar!
passaram-se tantos séculos e vidas inteiras
nossas
e a gente infringiu o código
eu nunca conseguia me conformar
com as decisões cósmicas
aquelas escritas nas estrelas
e a gente cria que cigana só se encontrava
numa única vida!
eu toquei, no coro infantil,
ela cantando no coro infantil no rio
eu, banda de adolescente na assembleia,
ela, banda de adolescente na assembleia
e eu sabia em algum lugar de mim
a gnt ia se reencontrar
e a gente se reencontrou
toda vez que uma cigana ama outra cigana
elas se encontram nos sonhos
e se reencontram e reencontram e reencontram
e sempre acrescentam algo na história
pra essas duas: Eu Dalila e Diana, meu sagrado amor.