não
não me silenciem
não me mandem calar
ainda que um vapor do meu sossego
seja tormenta pra vc
não me façam calar!
a cruz
a espada
as chagas do curador
marcas de faca na garganta e no peito
pra provar que amor é motor
que até mata
dá vontade é de me limpar no sangue deles
eu não sei o que me dá
mas já nasci assim
eu sou eu
desse jeito mesmo
do avesso
descobri que o universo faz
e eu aconteço
e o inverso também
pervertida
má, perigosa, vadia
me julgam!
mostro o monstro
escrombos de mim
mas ninguém vai falar das sapatão assim
ora, deixa a pessoa ser ela!
não corrijo, existo!
mas também não quero que
me venha com normas e regras
a minha existência já é uma transgressão!
como a coruja estufo o peito e fixo o olhar.
eu sei da espada, eu sei das chagas
sabedoria nata de quem passa
sabe um lugar onde até florescer é indecente?
lá eu fui gente
crente
sendo eu desde sempre
ser gente era garantia de ser incluída
e ser eu implicava em romper com verdades instituídas
eu existo
e só o fato de eu existir
não combina com o que os meus irmãos
querem de mim
óbvio que o reino desse deus não foi feito pras lésbicas, se ele foi construído
por mãos brancas de macho!
dá vontade de matar
de subir em cima
e sufocar tudo isso que me sufoca
o meu ar cardinal
nesses tempos de pouca oxigenação
entala um gemido na garganta
e,
lembra daquela última sardinha da lata?
e da moeda no peixe?
ainda tá entalada!
pra mim nunca ficou claro
o que é de césar e o que é de deus
porque desde o jugo romano
tudo é de césar
até deus!